domingo, 6 de junho de 2010

Um breve relato (por Katia Ferreira)



Um breve relato...


Decidi escrever esse texto quando me deparei com uma situação que me incomodou na escola em que trabalho. Era novembro de 2009 e a prefeitura propôs uma avaliação dos alunos com idade avançada para a série que cursavam, objetivando incluí-los num desses projetos de “realfabetização” ou “aceleração”, não me recordo o nome ao certo. Enfim, alguns alunos meus foram selecionados para fazer uma prova e entre eles estava Talita. A coordenadora pedagógica da escola os levou para uma sala e aplicou a prova. Alguns dias depois me procurou e revelou sua preocupação com o desempenho de Talita. Nesse momento analisamos a produção textual desenvolvida pela aluna na avaliação.
(segunda imagem) A princípio um texto confuso, com erros ortográficos, sem pontuação. A coordenadora externou sua preocupação em aprovar Talita diante daquela produção, embora soubesse que de acordo com meus relatos sobre o desempenho de Talita no dia a dia em sala de aula, não houvesse nenhuma dúvida. Sugeriu que talvez fosse melhor incluir Talita no tal projeto proposto pela Secretaria de Educação.
Aquela situação me incomodou e mostrei a coordenadora um texto produzido por Talita em sala de aula após o passeio ao planetário do Rio Janeiro, visita que aconteceu em função do Projeto Sistema Solar que vinha sendo desenvolvido pelo grupo.



(primeira imagem) Nesse texto Talita revela um pouco do que viveu nesse espaço, suas impressões, o que aprendeu. Ao comparar os dois textos muitas questões poderiam ser pensadas, contudo me detive na questão do significado e da motivação no ato de escrever. Duas produções tão diferentes reafirmam que a produção de texto não deve ser vista como uma atividade abstrata onde se valoriza somente a sua estrutura composicional mas como atividade discursiva e sendo assim é importante que o aluna tenha o que dizer. Geraldi (1995 in Carvalho) nos diz que os alunos devem ser “ locutores efetivos” e para que isso aconteça algumas condições são importantes: a de que o aluno tenha o que dizer; que este” tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer” ,”que se tenha para quem dizer o que se tem a dizer”.
Então volto ao texto da avaliação e percebo que Talita até se esforça e cria a partir da imagem apresentada: propõe um diálogo entre as personagens, embora não domine essa forma textual, vai além quando diz que a menina estava arrumando a casa quando a gatinha chega, comenta a alegria da personagem... Apesar do esforço, o texto é confuso. Me pergunto então que sentido teriam aquelas imagens para Talita? Percebo que pela forma que numerou Talita não entendeu a proposta.
O segundo texto, ao contrário, revela os detalhes da cúpula do Planetário, fala da cadeira que deita, fala do encontro com a ex-professora, fala de Galileu. Uma produção cheia de sentido. Motivada pela visita, Talita tem o que dizer e razões para dizer. Seu texto é fruto de algo vivo, repleto de significados.
Dois textos tão diferentes me fazem pensar que a produção textual não deve ser vista como uma atividade que visa apenas avaliar modelos exemplares de texto. Devemos conceber o texto como uma prática discursiva. Talita, de forma espontânea expressa o que viveu e usa a escrita e o próprio desenho como forma de diálogo. Vejo a proposta de ordenação de imagens para posterior produção de texto como algo desprovido de sentido e questiono como esse material poderia ser usado para avaliar Talita?
Em meio a tantas questões que precisam ser discutidas na escola, o acontecimento relatado me levou a refletir que temos que repensar as propostas de produção de texto sugeridas para os alunos. Seriam propostas significativas? Como exigir que as crianças escrevam do nada?

Por Katia Ferreira Moreira

Um comentário:

Gisele disse...

Katia, parabéns por este texto que nos leva a uma reflexão profunda da nossa prática.